terça-feira, 19 de junho de 2007

Em algum lugar, lendo Guimarães...

Quisera eu ter algo de novo e retumbante a dizer sobre a terrível condição humana e seus inúmeros revéses. O apavorante fardo da consciência; a probabilidade nada remota de qualquer existência resultar apenas do acaso; a certeza de que a morte pode chegar mesmo enquanto escrevo essas linhas a lápis, apoiado no tampo de mármore de uma mesa de bar.

Mas não era nada disso que eu queria dizer.

Leio Guimarães e fico cá pensando que um homem que escreve como escreve sobre a infância só pode ser um homem bom. Não digo “ter sido” em respeito à crença do mesmo na metempsicose e quejandos. Há algo de reconfortante em se pensar que uma “alma” com a de Guimarães não apodreceu juntamente com a madeira de seu caixão. Minto para mim mesmo para me permitir considerar a hipótese contrária.

Óbvio, a “alma” de Guimarães está tão viva que escrevo (eu, reles mortal) sobre ela. Porém, sou egoísta, e penso que deveria haver permanência mais perene do que a posteridade. Talvez continuemos vivendo na terra que nos consome, no pólen espalhado pelos insetos. Parece-me pouco. Hoje, li Leonardo Boff dizendo que vivemos num planeta já velho. E quando o sol decidir por fim devorá-lo, para onde irão a terra e o pólen?

Voltando à vaca fria, que nem existe, de tão aleatório e mambembe é esse texto: Guimarães. Sem querer dizer algo de novo e retumbante sobre a terrível condição humana, Guimarães o faz. Nada em nada que li dele soa pretensioso, no mau sentido da palavra, que é quase o sentido inteiro. Ler “Campo geral” me fez pensar nas tardes despreocupadas que passei, na infância dos meus 5-8 anos, em Padre Miguel, no imenso quintal da minha memória, caçando caramujos, plantando feijões e amassando mato porque o cheiro do “caldo” que se formava era bom. A lembrança mais viva desse tempo é a de quando fui picado por uma abelha ao regar umas das várias árvores que havia no quintal; outra: o abacateiro que plantamos e que a proprietária mandou tirar; outra: Laika, nossa cadela, tomando banho de mangueira debruçada na piscina de plástico; e outra, e outra...

Tudo isso, essas memórias, esse texto, essa vida outra revivida, por causa de Guimarães. E também a contestação amarga de que a gente se mortifica, se embrutece, se coisifica a cada dia. Quando não pensa mais no cheiro gostoso do mato amassado e nas coisas assim, que nada têm a ver com dinheiro, carreira, vencer e outras metástases.

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